segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

DROGAS: A polêmica das internações compulsórias

Estima-se que cerca de 1,2 milhão de brasileiros usem crack. Em geral, o uso se inicia por volta dos 13 anos de idade, entre jovens pobres das periferias, em sua maioria negros e com baixa escolaridade. Os dados são do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE 2010). A população de rua é a mais afetada, e aqueles que não moram na rua são levados a esta situação com frequência. Os dependentes de crack ficam, assim, vulneráveis a todo tipo de violência e situação de risco. O crack não traz apenas consequências no campo das doenças, mas coloca os dependentes em situação psicossocial degradante. Entre as doenças e distúrbios causados pelo crack, estão infecções diversas, pneumonia, abscesso pulmonar, hemorragias, inflamação nos vasos sanguíneos e hipertensão pulmonar. O crack também ocasiona a perda de peso, perda dos dentes e alterações neuropsicológicas como a perda significativa de atenção, memória e linguagem e perdas cognitivas graves. Ao contrário do que se pensa, não é o uso do crack diretamente o que mais mata. Um estudo realizado com usuários de São Paulo revelou que 57% dos acompanhados morreram por homicídio. Em segundo lugar, está a morte por Aids, com 26%, e apenas 9% foram vítimas de overdose. 
É desnecessário dizer que a saúde pública no Brasil é um caos. Não existem vagas nem profissionais devidamente qualificados para atender os dependentes no sistema público. Drogas como o crack agem de maneira tão agressiva no corpo do usuário que não permitem que ele entenda a gravidade de sua situação e o quanto seu comportamento pode ser nocivo para ele mesmo e para os outros. A internação contra a vontade do paciente está prevista no Código Civil desde 2001, pela Lei da Reforma Psiquiátrica 10.216, mas a novidade agora é que o procedimento seja adotado não caso a caso, mas como uma política de saúde pública - o que vem causando a polêmica da compulsoriedade das internações. Os que se colocam a favor do projeto argumentam que um em cada dois dependentes químicos apresenta algum transtorno mental, sendo o mais comum a depressão. A base são estudos americanos como o do Instituto Nacional de Saúde Mental (NIMH, na sigla em inglês), de 2005. Mas vários médicos, psicólogos e instituições como os Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs), contrários à solução, contestam esses dados. Não existem estudos brasileiros nesta área. Os defensores da internação compulsória afirmam que o consumo de drogas aumentou no País inteiro e são poucos os resultados das ações de prevenção ao uso. A proposta tem o apoio do ministro da Saúde Alexandre Padilha, que acredita que profissionais da saúde poderão avaliar adultos e crianças dependentes químicos para colocá-los em unidades adequadas de tratamento, mesmo contra a vontade dessas pessoas. O Conselho Federal de Medicina (CFM) também é a favor da medida. Porém, muitos usuários entram em surto psicótico em face do consumo contínuo e abusivo do crack. Nesse contexto, não têm condições de decidir sobre a submissão aos tratamentos possíveis. Querem continuar usando a droga, mesmo que isso lhes custe a própria vida. É nesse cenário devastador que a lei prevê a possibilidade de internação compulsória. Ressalve-se, entretanto, que, para que essa internação aconteça, são necessários laudo médico e decisão judicial. A internação nessas hipóteses não impõe violação aos direitos humanos, ao contrário, resguarda-os. Atualmente estão previstos três tipos de internação (artigo sexto da lei 10.216): voluntária, involuntária e compulsória. A primeira pode ocorrer quando o tratamento intensivo é imprescindível e, nesse caso, a pessoa aceita ser conduzida ao hospital geral por um período de curta duração. A decisão é tomada de acordo com a vontade do paciente. No caso da involuntária (Art. 9º da lei 10.216 - a internação compulsória é determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários), ela é mais frequente em caso de surto ou agressividade exagerada, quando o paciente precisa ser contido, às vezes à força. Nas duas situações é obrigatório o laudo médico corroborando a solicitação, que pode ser feita pela família ou por uma instituição. Há ainda a internação compulsória, que tem como diferencial a avaliação de um juiz (nosso judiciário é burocraticamente lento), usada nos casos em que a pessoa esteja correndo risco de morte devido ao uso de drogas ou de transtornos mentais. Essa ação, usada como último recurso, ocorre mesmo contra a vontade do paciente. Em São Paulo, uma solução dada pela prefeitura foram os convênios com as chamadas comunidades terapêuticas, quase sempre religiosas, sem equipes de saúde capacitadas para receber os dependentes. Maus-tratos, violência física e humilhações são constantes nessas comunidades. Há registros de tortura física e psicológica e relatos de casos de internos enterrados até o pescoço, obrigados a beber água de vaso sanitário por haver desobedecido a uma norma ou, ainda, recebendo refeições preparadas com alimentos estragados. “A prefeitura compra leitos nestas instituições privadas passando a ilusão de que isso configura um bom atendimento aos portadores de drogadição”, afirma Ary Blinder, médico psiquiatra da rede pública de saúde. Especialistas também questionam a internação como um tratamento indiscriminado. Em primeiro lugar, quando se trata de saúde mental, cada caso é um caso. A evolução dos problemas e, logo, o tratamento dependem de uma combinação de fatores biológicos, psíquicos e sociais. Em segundo lugar, a taxa de recaída para a dependência de drogas é altíssima, variando entre 40% e 60%. O Estado não oferece nenhuma política para estes casos. Isso leva à conclusão inevitável de que a internação compulsória nada mais será do que uma espécie de detenção. Em se tratando de crianças e adolescentes, a realidade é caótica. Onde interná-los? Não dispomos de instituições adequadas ou preparadas para tal fim. O modelo de internação involuntária de usuários de drogas, que começou a vigorar dia 21 janeiro em São Paulo, é vista pelo juiz Samuel Karasin, coordenador da Vara da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), “como uma oportunidade de se dar prioridade à população vulnerável da cidade - aquela que corre risco de morte por conta do vício ou ameaça a integridade de outras pessoas. As internações só deverão ocorrer nos casos mais críticos. É só para se estabilizar o paciente. É preciso deixar claro que o tratamento não é em regime de internação, mas sim de ambulatório”. Atentemos para a fala sensata do juiz em questão. É necessário cuidados com a presunção salvacionista, principalmente de agentes da lei, que querem dar respostas à sociedade, a qualquer preço. Precisamos tirar o foco emocional do problema e colocá-lo dentro da razão das necessidades das partes envolvidas: Família, Sociedade e o Estado. Em tempo estaremos criando um projeto de política pública municipal de atenção ao dependente químico de Tupã (projeto em fase de elaboração), que é o CAPSad - Centro de atenção psicossocial ao dependente de álcool e drogas.

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